Mas, dizia eu que estávamos a passear, quando este se lembra que ali é um bom sítio para treinar. Vai daí que toca a fazer posições à distância, enfim, os sentas, deitas, de pé do costume. Até aqui tudo bem, mas o abestrôncio do meu dono repara num lindo coreto no meio do jardim e aqui vai disto, toca a ir lá para cima para fazer treino à distância. No final o meu dono decidiu fazer um exercício mais complexo: eu fico no coreto e ele vai para a outra ponta do jardim desata a chamar-me. Acho que a ideia era que eu descobrisse as escadas do coreto, desse a volta e fosse ter com ele. Mas o meu dono nunca bateu bem da bola, porque raios é que eu devia me dar a tanto trabalho se eu o estava a ver mesmo à minha frente. Como é óbvio era mais fácil saltar do coreto abaixo e correr até ele. Só não percebi o berro que o meu dono deu! Talvez se tivesse magoado com alguma coisa. Uns medricas estes humanos.
De qualquer forma, essa brincadeira valeu-me uma inspecção por parte do meu dono a todas as patas, aparentemente ele estava à procura de ossos partidos, mas na altura eu pensei que ele estava apenas a me fazer festas de contente.
O tempo passou e muitos mais passeios eu dei, até que um dia comecei a mancar de uma das patas, a da direita da frente mais precisamente, ao principio pensei que era só uma entorse, mas o tempo passava e aquilo não passava. Como o meu dono não me consegui perceber, passei a andar com essa pata no ar, para ele perceber que algo se passava de errado comigo. O método resultou perfeitamente, passados uns dias estava num sítio que eu gosto muito, o Veterinário. Quando lá vou ninguém me segura, qual Senta, Deita ou faz o pino, quase que não ligo puto ao meu dono, o que eu quero mesmo é abanar os quartos traseiro e atacar selvaticamente o Veterinário às lambidelas!
O Veterinário analisou-me, apalpou-me, mas não notou nada de estranho, por isso sossegou o meu dono e deixou-me ir embora. Se me tivessem perguntado eu teria dito mais algumas coisas, como por exemplo o facto de sentir uma pontada no meio da perna de vez em quando, mas como o costume ninguém me pergunta nada.
E o tempo passou e eu crescia bem e saudável, apesar de vez em quando voltar a mancar da pata, mas isso só sucedia quando fazíamos uma corrida maior. Mas volta e meia lá vinha o meu dono dobrar-me a pata, etc.
Finalmente houve uma semana em que quase todos os dias eu andava a mancar, e aí o meu dono achou que já era demais, toca a voltar ao Veterinário.
Muito gosto eu desta parte, mais umas abanadelas de rabo, umas lambidelas e finalmente lá conseguiram me examinar. Desta vez o doutor achou melhor fazer um raio-x, mas como eu não parava quieto tivemos de repetir o raio-x, desta vez eu fiquei mais quieto pois o meu dono estava com um ar zangado.
Depois de analisar chegou o veredicto, eu tinha um problema na articulação (cotovelo) e o mais provável era ter de operar. Não gostei nada da cara que o meu dono fez na altura por isso dei-lhe uma lambidela na mão (era o que estava mais perto do meu focinho).
O meu dono mais tarde explicou-me tudo: disse que eu tinha uma XXXose qualquer no joelho e que o veterinário achava que era genético, mas o meu dono achava que não, que devi ser devido ao piso da casa ser muito escorregadio e o salto que eu tinha dado em Portalegre.
Fosse lá como fosse, o Veterinário não tinha a certeza absoluta e quis outra opinião, ao mesmo tempo precisava de ter uma visão melhor do meu cotovelo para saber por onde devia abrir o meu cotovelo – admito que tais ideias não me soavam nada bem, pareciam planos de uma equipa Anti-Terrorista – e por tal pediu que eu fosse fazer um TAC na faculdade de Medicina veterinária em Lisboa.
O TAC mostrou que afinal eu não tinha exactamente o que se pensava, mas era na mesma uma forma de displasia do cotovelo. Mais precisamente, tinha um bocado de osso partido e solto dentro da articulação. O meu dono ainda tentou arranjar uma ordem em Latim para ensinar o bocado de osso rebelde a voltar para o sítio, mas infelizmente sem sucesso. Só sobrava mesmo a hipótese de ir à faca…
E assim foi que em Janeiro de 2003, fui levado à faca…
Quando acordei o meu dono não estava comigo, só passadas algumas horas é que me deixaram ver o meu dono, fiquei logo mais contente e pela cara dele ele também ficou muito contente. O meu dono explicou-me que a operação tinha corrido bem e até me mostrou o bocado de osso, era bem grande. O Veterinário explicou-nos que em principio eu iria recuperar a 100% e dali a uns meses já poderia andar normalmente. Infelizmente não foi isso que aconteceu.
A recuperação foi lenta, foram cerca de 6 meses. Durante todo esse tempo não podia correr nem saltar. O resultado é que deixei de poder ir para o jardim brincar com os outros cães, o meu dono diz-me que isso foi muito mau, pois era muito importante a minha convivência com outro cães, foi que se eu tivesse saltado o ciclo (ND [Nota do Dono]: 5º e 6º Anos da era moderna). Como se isso não bastasse (senti muita falta de outras companhias caninas) o meu dono deixou de fazer treinos a sério comigo, ele dizia que como o treino tinha muita brincadeira não dava para fazer.
E assim foi que eu passei 6 meses, isolado do mundo, eu o meu dono e o gato. So via os outros cães através das grades da varanda.
Mas finalmente o tempo passou e o meu dono começou a levar-me outra vez a passear e a estar com outros cães, enfim a vida começou a voltar ao normal.
Depois o meu dono tentou recomeçar os treinos, eu podia-lhe ter dito que ele andava muito nervoso e stressado demais para isso, mas como o costume ninguém me perguntou nada…
O resultado foi que o meu dono perdia rapidamente a paciência comigo quando eu falhava as ordens, e isso punha-me a mim nervoso. O meu dono reparava nisso e acabava o treino. Passado uns dias ele lá chegou à conclusão que andava demasiado stressado e sem paciência para treinar como devia ser, por isso passou apenas a fazer algumas brincadeiras comigo e nada de treinos sérios.
Eu fiquei com pena, pois eu gostava muito dos treinos e já tinha obtido o meu COB e teria gostado de ter mais prémios. Sim, porque eu sou um cão inteligentíssimo e ambicioso.
Enfim a vida volta à normalidade possível, mas a minha pata (mais exactamente o meu cotovelo) nunca ficou 100% curado. Só quando faço muito esforço, grandes corridas ou passeios, é que fico a mancar um bocadinho. O que nunca consegui me livrar foi do hábito de estar a três patas, volta e meia quando estou distraído levanto a minha pata fico tipo pointer, já sei que logo a seguir o meu dono me ralha. O meu dono acha que aquilo é só mania e que é tudo psicológico e não há motivo para eu levantar a pata. Mas eu é que sei e de vez em quando a para incomoda-me.
E pronto, isto foi para vocês ficarem a saber que não foi só o gato que teve azares.